Reserva Soberana de Bitcoin nos EUA: sonho ou futuro iminente?

2025-03-07

Principais tópicos do post:

  • Em 2025, Donald Trump menciona usar Bitcoin como reserva soberana nos EUA, dividindo opiniões sobre a viabilidade e o simbolismo desse movimento.

  • A proposta desafia a lógica tradicional de reservas (moedas fortes, títulos e ouro), levantando questões sobre volatilidade, governança e adequação do BTC ao status de ativo estratégico.

  • O texto discute cenários (adoção real, recuo ou implementação parcial), mostrando como essa iniciativa poderia moldar o futuro das criptomoedas e pressionar outros países a segui-la ou abandoná-la.

Desde o início de 2025, o cenário político americano tem sido marcado por declarações ousadas de Donald Trump, que reassumiu a presidência da maior economia do mundo. Uma das pautas mais surpreendentes e discutidas é a possibilidade de os Estados Unidos formarem uma reserva soberana em Bitcoin. 

Em uma série de discursos e entrevistas, o presidente americano sinalizou abertamente que o país poderia começar a adquirir BTC como parte de seu portfólio de reservas de longo prazo, algo inédito entre as grandes potências globais. 

Mas, afinal, o que é exatamente uma reserva soberana? Como os países gerenciam seus ativos de reserva e por que a ideia de incluir Bitcoin gera tanto interesse? Vamos mergulhar nos fatos mais recentes sobre esse assunto e entender a viabilidade de um movimento tão inusitado.

Para começo de conversa: o que é uma Reserva Soberana?

Uma reserva soberana pode ser entendida como o estoque de ativos financeiros de um país, mantidos geralmente pelo seu banco central ou órgão governamental responsável. Esses ativos costumam desempenhar funções estratégicas e macroeconômicas, tais como garantir a estabilidade cambial, lastrear a emissão de moeda e fortalecer a credibilidade de um país perante credores internacionais. 

Por mais que não exista mais há décadas a ideia de que um país só pode emitir moeda com base em seu estoque de metais preciosos, diríamos que essa reserva soberana é um item adicional de segurança para os países, principalmente para o caso de grandes variações cambiais.

Tradicionalmente, essas reservas são compostas por moeda estrangeira forte (como dólar, euro, iene), títulos do Tesouro de países confiáveis (especialmente dos EUA) e, em vários casos, ouro. Em suma, a reserva soberana é uma espécie de “colchão” que permite a um Estado enfrentar flutuações cambiais, crises de liquidez e eventuais pressões externas sobre sua economia. É por isso que os títulos da dívida americana e o próprio dólar são tão espalhados pela economia global.

Sempre que há um desequilíbrio comercial ou financeiro, o país pode usar partes dessas reservas para conter a volatilidade do câmbio, pagar dívidas internacionais ou sustentar sua moeda em momentos de ataque especulativo. Por ser um pilar estratégico, o país busca aplicar esses recursos em ativos considerados de baixo risco e alta liquidez - quase como uma “reserva de emergência”, só que bem mais sofisticada e robusta.

Nos últimos anos, porém, a variedade de ativos já começou a se ampliar para abranger SDRs (Direitos Especiais de Saque do FMI), moedas regionais e, em alguns casos, pequenas quantidades de criptoativos. De qualquer forma, a ideia de um país como os EUA, que tradicionalmente opera como emissor da moeda de reserva mundial, optar por manter Bitcoin na sua reserva soberana, é uma mudança de paradigma difícil de ignorar.

O que é comum encontrar em Reservas Soberanas hoje?

Para entender melhor essa ideia de incluir Bitcoin em uma reserva soberana, vale recapitular como outros países formam suas reservas. Normalmente, a composição típica é:

  • Moedas estrangeiras (USD, EUR, JPY, GBP, CHF): Maior parcela da reserva, pois são amplamente aceitas no comércio e nos mercados financeiros mundiais e, por esse motivo, podem “socorrer” em momentos de forte volatilidade;

  • Títulos soberanos de nações desenvolvidas: Títulos do Tesouro americano, títulos alemães (Bunds), etc., pois oferecem estabilidade e liquidez de maneira parecida com as moedas fiduciárias diretamente;

  • Ouro: Historicamente esse é um ativo de refúgio presente no portfólio de vários bancos centrais como forma de diversificação e proteção contra a desvalorização cambial;

  • Ativos especiais: SDRs do FMI, participações em bancos supranacionais e, em alguns casos pontuais, pequenas alocações em ações ou fundos de investimento.

Nos últimos anos, surgiram notícias de países menores adquirindo Bitcoin ou outras criptos para suas reservas. O caso mais famoso foi o de El Salvador, que tornou o BTC moeda legal em 2021 e declarou oficialmente que compraria Bitcoin periodicamente, na tentativa de diversificar reservas e se promover como polo cripto. 

Embora o experimento tenha gerado debates intensos, a escala de El Salvador é minúscula comparada à de grandes economias, de modo que o impacto global acabou sendo limitado. Ou, em uma analogia bastante direta, não dá para implementar uma medida em um país continental olhando os resultados disso em uma única cidade.

Trump e sua visão sobre Bitcoin

Não é de hoje que o presidente americano Donald Trump manifesta opiniões sobre criptomoedas. Entretanto, nos últimos tempos, houve uma guinada retórica. Em discursos de campanha, ele afirmou que os EUA não podem ficar para trás em tecnologia blockchain e que, “se outros países estão de olho no Bitcoin, por que não nós?”.

Assim que reassumiu o cargo em janeiro de 2025, fontes ligadas ao Departamento do Tesouro e à recém-criada Secretaria de Assuntos Digitais e Criptográficos (apelidada de “Crypto Czar”) confirmaram que estão estudando a viabilidade de comprar Bitcoin e armazená-lo junto aos ativos do Federal Reserve. 

Em conferência, a equipe de Trump pontuou que “a liderança global dos EUA depende de não ignorar as inovações, incluindo criptos”, e que um movimento nesse sentido poderia dar mais liberdade para enfrentar potenciais crises. O maior argumento político e econômico seria o de que, se o BTC se consolidar como “ouro digital”, tê-lo em reservas seria uma maneira de proteger o dólar ou até de explorar a hegemonia americana em nível tecnológico e financeiro.

O que significaria ter Bitcoin na Reserva Soberana dos EUA?

Caso essa iniciativa seja aprovada, as implicações são amplas. Em primeiro lugar, isso validaria de forma contundente o Bitcoin como reserva de valor, dado que a maior potência econômica do mundo estaria admitindo utilidade real no ativo. Esse reconhecimento poderia impulsionar a capitalização de mercado do BTC, além de atrair mais países a seguirem o exemplo. 

Em segundo lugar, haveria uma mudança simbólica: o dólar é, historicamente, a moeda de reserva global, e o governo americano vendendo parte de seus títulos ou acumulando BTC seria um sinal de que inclusive o emissor da moeda padrão do comércio mundial enxerga valor em uma forma de dinheiro descentralizada.

Economicamente, a ideia é polêmica e, como já apresentamos, ainda é pouco experimentada. O Bitcoin, apesar de ter se estabilizado em um patamar de preço bem acima dos níveis de 2020, ainda apresenta bastante volatilidade. Considerando que estamos falando da maior economia do planeta, de tratar-se de um país que depende da confiabilidade de sua reserva e que quer manter o dólar estável em relação a outras moedas, ter um ativo de sobressaltos bruscos pode gerar desconfortos. 

Por outro lado, argumenta-se que a alocação seria pequena, de 1% ou 2% das reservas, justamente para equilibrar sem sofrer muito com essa volatilidade - ao contrário de El Salvador, cujas reservas estão majoritariamente alocadas em Bitcoin. Com um percentual tão baixo, em caso de queda relevante o todo não seria tão afetado e, com a ocorrência de altas, essa fatia poderia se tornar expressiva, trazendo ganhos que compensariam a volatilidade no médio prazo.

Por que um país, que emite moeda fiduciária, se importaria com criptomoedas?

Existem pelo menos três razões principais que justificam o interesse de um Estado em manter BTC ou outras criptos:

  1. Diversificação: Assim como alguns bancos centrais compram ouro ou detêm moedas diferentes do dólar, poderia ser útil diversificar para ativos digitais que não estão correlacionados de forma tão direta aos mercados de renda fixa ou de moedas fiduciárias;

  2. Proteção contra pressões externas: Em um cenário geopolítico complexo, ter Bitcoin pode dar algum grau de independência se, por exemplo, um país enfrentar sanções que sejam capazes de congelar acesso ao dólar ou ao euro). Esse argumento é levantado por nações não alinhadas, mas também faz sentido para uma grande potência em tempos de rearranjos globais;

  3. Estratégia de longo prazo: A aposta de que o Bitcoin se tornará o “ouro digital” ou o “ativo de reserva global” levaria governos a quererem “comprar barato” antes que o preço se torne ainda mais alto.

No caso dos EUA, seria um movimento contraditório sob certos aspectos, pois o país sempre defendeu o dólar como pilar do sistema financeiro internacional. Ao mesmo tempo, incorporar BTC teria o sentido de liderar em vez de resistir às inovações.

Avanços em 2024: maturidade chama atenção

Para além dos discursos de campanha e das escolhas que estão sendo feitas por Trump neste início de seu segundo mandato, para complementar que essa inclusão de Bitcoin na reserva soberana seja uma ideia plausível, alguns episódios ocorridos em 2024 em relação ao universo cripto merecem destaque:

  • Maior clareza regulatória no setor: A SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) aprovou, com algumas condições, ETFs de Bitcoin e Ethereum, além de permitir a existência de stablecoins colateralizadas. Esse ambiente regulatório mais transparente abre portas para iniciativas mais ousadas;

  • Pressão de grandes empresas: Gigantes da tecnologia e do setor financeiro teriam pressionado o governo a não ficar de fora de tecnologias cripto, pois, como argumentam alguns executivos de bancos e fintechs, “a revolução do blockchain pode substituir serviços tradicionais de custódia e compensação”;

  • Caso El Salvador e MicroStrategy: A adoção de Bitcoin como moeda legal em El Salvador e a estratégia da MicroStrategy de converter grandes somas de seu balanço em BTC despertaram curiosidade política. Embora a escala seja menor, mostram que integrar Bitcoin nos cofres não é uma ideia impossível ou sem precedentes.

Se o governo americano assumir uma postura oficial de comprar BTC periodicamente ou, ao menos, não proibir tal prática dentro do Tesouro, isso poderia disparar uma reação em cadeia, porque iria representar um passo importante diante de toda maturidade que o mercado cripto já tem alcançado nos últimos anos.

A Europa e outras regiões podem seguir a mesma trilha?

Caso o governo americano de fato adquira BTC, não seria impensável que, em resposta, economias como a China ou bloco europeu cogitem estratégias semelhantes. A Europa, já com discussões avançadas sobre regulação cripto, poderia migrar uma pequena fração de seus ativos de reserva para “digital gold”. 

Do mesmo modo, potências emergentes buscam cada vez mais formas de reduzir a dependência do dólar - com uma discussão até mesmo sobre uma “moeda dos BRICS” que, convenhamos, poderia ser apenas trocada pela utilização de algum ativo digital tão consolidado quanto o Bitcoin. Se a cripto for vista como um ativo neutro, semelhante ao ouro, isso poderia atrair outras nações a também adotar a ideia.

Pode-se alegar que a demanda institucional e soberana por BTC impulsionaria o preço a patamares nunca antes vistos. Por outro lado, se a adoção não se concretizar ou se as burocracias engessarem demais essas operações, o mercado pode reagir com decepção em relação ao futuro dos preços ser movido por isso. 

Em todo caso, a simples possibilidade de uma “reserva soberana de Bitcoin” por parte dos EUA (ou da Europa) é um indicativo de mudança de era.

No fim das contas, essa é uma ideia revolucionária ou apenas marketing?

A proposta de Donald Trump de criar uma reserva soberana de Bitcoin nos EUA é, sem dúvida, um tema polêmico e de grande potencial simbólico. Se, por um lado, pode representar um passo histórico na legitimação do BTC como parte das finanças globais, por outro, levanta perguntas sobre a coerência de um país que emite a moeda de reserva mundial e, ao mesmo tempo, busca diversificar em um ativo que tem potencial de rivalizar com seu ponto de força em forma de moeda fiduciária (o dólar). 

Além disso, como também sinalizamos, existem adicionalmente preocupações em relação à volatilidade dos preços, aos riscos de segurança e também questionamentos sobre a regulação engessar ou não tais iniciativas.

Mesmo assim, considerando o panorama observado em 2024 — maior clareza regulatória, maturação do mercado cripto, consolidação de produtos como ETFs de Bitcoin e a experiência de nações menores que já flertaram com a adoção de criptomoedas — a ideia não soa tão improvável quanto soaria há alguns anos. 

A real implementação dependerá de inúmeros fatores políticos, econômicos e técnicos. Ainda que não se materialize imediatamente, o simples fato de ser discutida no alto escalão de governos sinaliza a crescente relevância do Bitcoin e de outras criptos na era digital.

Seja como for, o futuro das reservas soberanas pode, sim, envolver o Bitcoin ou outros ativos blockchain, especialmente se a demanda por proteção contra inflação ou crises cambiais aumentar. Resta ver se os EUA, sob a liderança de Trump ou de qualquer sucessor, terão coragem de quebrar paradigmas e inserir, de fato, o BTC em seu cofre de ativos estratégicos. 

O desfecho dessa história poderá definir boa parte do rumo do mercado cripto nos próximos anos!

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